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Comunicação Não-Violenta: estamos a 4 passos de distância de uma conversa sem ruídos

No último texto falei um pouco sobre a Comunicação Violenta, ou seja, a comunicação que viola o outro (às vezes até nós mesmos) que estamos tentando nos comunicar. Neste texto falarei sobre como nos comunicar de forma que não haja ruídos entre o que a gente quer dizer e o que o outro escuta por meio da Comunicação Não-Violenta (CNV).

“CNV é mais que processo ou linguagem. Num nível mais profundo, ela é um lembrete permanente para mantermos nossa atenção concentrada lá onde é mais provável acharmos o que procuramos.”

Marshall Rosenberg, fundador da CNV, foi um psicólogo clínico norte-americano. Formado em Psicologia pela University of Wisconsin-Madison, com PhD em Psicologia Clínica e fundador do Center for Nonviolent Communication (CNVC), que é uma entidade internacional de promoção da paz. Ele faleceu em 2015 deixando seu legado, uma maneira de nos relacionarmos uns com os outros com compaixão, empatia e sem violência.

Como ele criou essa forma de ver o mundo, de nos conectarmos e de nos comunicarmos? Em determinado momento de sua vida ele se fez a seguinte pergunta: Por que em situações similares alguns reagem com violência e outros com compaixão? Ele chegou à conclusão de que isso depende de 3 coisas:

  1. a linguagem que fomos ensinados a usar

  2. como nos ensinaram a pensar e a nos comunicarmos

  3. as estratégias específicas que aprendemos para influenciar os outros e a nós mesmos

Algumas das pessoas que influenciaram Marshall foram o Carl Rogers e o Gandhi. Rogers fala muito sobre a conexão entre as pessoas e a importância da empatia. Gandhi fala sobre o princípio ético da não-violência e Ahimsa-Satyagraha. Em Sânscrito temos Ahimsa ( não violar, não machucar) e Satyagraha (Satya — verdade e Agraha — firmeza).

A CNV integra o nosso tipo de linguagem, nossos pensamentos e as formas de comunicação que influenciam nossa capacidade de contribuir voluntariamente para o bem-estar dos outros e também o de nós mesmos. Propõe, então, uma comunicação feita pelo coração, com empatia. A CNV tem como premissas básicas a não-violência ( não violarmos o outro de qualquer forma que for) e a compaixão (identificar o estado emocional do outro e aliviar o estado de sofrimento/dor). A CNV:

  • mostra quem somos sem termos que mascarar nada

  • mostra o que está vivo em nós sem análises ou críticas externas que dê a entender que o que estamos sentindo está errado.

  • Tem como parte do processo falarmos com clareza o que está vivo em nós sem analisar, criticar e sem colocar a culpa no outro.

  • Outra parte é falarmos com clareza o que tornaria a vida melhor para nós, apresentando essa informação aos outros como um pedido, não como uma exigência.

  • nos mostra como aumentar as chances de os outros colaborarem livremente para o nosso bem-estar e como podemos contribuir voluntariamente para o bem-estar dos outros.



E como isso acontece? Acontece pela reformulação da linguagem: falar a minha verdade sem machucar ninguém é diferente de ser “bonzinho”. É existir cuidando da integridade do outro.

É da nossa natureza gostar de contribuir com os outros e receber de forma compassiva. E o que nos afasta disso? O que nos influencia a permanecer assim? A linguagem. Uma “comunicação alienante da vida” que nos leva a falar e nos comportar de forma que fere os outros e nós mesmos. Ainda dificulta a compreensão de que cada um de nós é responsável por seus próprios pensamentos, sentimentos e atos.

Tudo bem, a CNV parece incrível mesmo, mas e agora? Como faz para nos comunicarmos dessa forma? Agora é a hora da desconstrução, é a oportunidade de enxergar diferente, de resgatar a linguagem compassiva que já existiu em nós, mas que perdemos pelo caminho. Aqui vamos dizer como estamos sem análise e sem crítica. E vamos ouvir com empatia a mensagem que o outro tem a nos dizer também sem análise e sem crítica. Faremos isso por meio dos 4 passos da CNV:

  1. Observação: ocorre quando observamos (sem críticas, julgamentos e análises) exatamente o que aconteceu. Há uma grande diferença entre ser algo e fazer algo. Por isso precisamos ter cuidado ao falarmos nossa observação. Devemos dizer exatamente o observado e não o que avaliamos sobre a situação. Nós somos responsáveis pelo o que estamos observando. Quando avaliamos falamos mais sobre nós mesmos do que do outro. Por isso, quando formos falar sobre nossa observação é bom que sejamos específicos sobre o tempo e o contexto. Exemplo: “Ele é preguiçoso” é diferente de dizer: “Ele deixou as tarefas desta semana acumularem”. Como se expressar: o que observamos que contribui ou não para nosso bem estar. “Quando vejo/ouço…”/“Quando você vê/ouve…”

  2. Sentimentos: A gente fala pouco sobre sentimentos, sobre como estamos nos sentindo. Dá-se a entender que falar sobre como nos sentimos é estar vulnerável e que vulnerabilidade é um sinal de fraqueza, mas na verdade é um ato de coragem. Na CNV não encontramos sentimento negativo, todos são bem vindos, porque nos orientam para algo. (Alguns são confortáveis e outros desconfortáveis). Como se expressar: Como nos sentimos em relação ao que observamos. “sinto…”/“você sente…”

  3. Necessidades. O que é necessidade para você? Necessidade pode ser satisfação de desejo, algo que ainda não temos, algo que temos e precisamos manter, algo indispensável. Em momentos de conflitos as necessidades estão querendo ser atendidas. Como se expressar: o que precisamos ou valorizamos e que é a causa do seu sentimento. “porque necessito/valorizo…”/“porque você necessita/valoriza…”

  4. Pedido. Agora é o momento de pedirmos com clareza o que precisamos em relação a essa necessidade não atendida, sem exigências. Como? - Linguagem positiva: vamos pedir o que queremos e não o que não queremos. - Ação específica: vamos compartilho o que o outro pode fazer naquele momento para atender nossa necessidade. Quais atitudes o outro pode fazer? Por exemplo: Alguém pode fazer o seguinte pedido: “Quero me sentir amado” que acaba sendo muito genérico. Nesse caso poderíamos perguntar: “Entendo, que você tem uma necessidade de se sentir amado. O que você gostaria que fosse feito nessa situação para satisfazer a sua necessidade de se sentir amado?” - Pedido é diferente de Exigência. O pedido aceita o não e a exigência não aceita o não. O pedido não muda o outro para conseguir o que queremos. Como se expressar: as ações concretas que gostaríamos que fossem tomadas. “Você estaria disposto a…”/“Você gostaria…?”

Lembro que ao fazer um curso sobre CNV, a instrutora pediu exemplos de comunicações violentas e eu dei um exemplo de quando trabalhava em uma escola. Ela refez comigo o diálogo em que um colega meu de trabalho foi extremamente violento em suas palavras e atitudes. E ao conversar com ela fingindo ser meu colega, a instrutora pontuou em determinada hora que aquele era o momento de realizar o pedido, de explicar como estava me sentindo, porque determinada necessidade minha não estava sendo atendida e perguntar se ele considerava meu pedido razoável e possível de se concretizar. Lembro de ter ficado em choque. A primeira coisa que perguntei foi: “Mas eu posso pedir o que preciso?”. E claro que a resposta é afirmativa. Temos todo o direito de pedir o que precisamos para o nosso bem-estar, mas o curioso é que eu tinha medo de pedir o que precisava com receio de as pessoas recusarem. Só que ao longo do tempo aprendi que quando uma conexão é feita com honestidade e empatia, podemos atender às necessidades dos envolvidos. Além disso, quando nos conectamos com alguém que se importa com a gente, essa pessoa vai prezar pelo nosso bem estar, assim como prezamos pelo da pessoa. E se a resposta for negativa? Bom, aí aos poucos vamos aprendendo a identificar as pessoas que valem a pena compartilhar nossa história e as que não valem a pena.

Vamos nos abastecer de muita empatia e lembrar que todo conflito é uma oportunidade de identificarmos o que é importante para o outro que também é para nós. Somos seres sociais e vivemos em comunidade. Não somos todos iguais, por isso precisamos aprender a conviver com as diferenças e criar conexões para conhecermos as nossas semelhanças.

E lembre-se: Se Marshall conseguiu mediar e solucionar conflito entre tribos que estavam em uma grande onda de violência na Nigéria, você também pode ter uma comunicação pacífica e empática com seu filho adolescente, com sua mãe, seu vizinho barulhento, seu colega de trabalho chato, etc. É um exercício constante, mas bem possível de alcançar.


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